De acordo com a OMS, 12% da população brasileira é afetada por transtornos mentais. Todos esses brasileiros lidam, diariamente, com suas condições de saúde e com a psicofobia – preconceito contra pessoas que apresentam transtornos psiquiátricos.
“Ou seja, além de lidar com o transtorno, o que já não é fácil, o paciente ainda tem que lidar com um preconceito que agrava o quadro do transtorno e piora o prognóstico do paciente”, declara Francisco Medauar, psiquiatra e professor da Medicina FTC.
A psicóloga Mirian Conrado, responsável pelo Núcleo de Apoio Psicopedagógico (NAP) da Medicina FTC Salvador, explica que, há milênios, a saúde mental é um tabu. “No século passado, não se tinha estudos sobre as pessoas comprometidas com problemas mentais, que eram consideradas fora dos padrões sociais esperados e eram afastadas do convívio social ou até enclausuradas, por total desconhecimento do que se tratava àquelas reações físicas e comportamentais do indivíduo. E esse não é um problema histórico que foi superado”, afirma.
Muitos séculos depois, o que precisamos fazer para quebrar esse tabu?
Mirian acredita que, mesmo a passos curtos, estamos avançando e, como comprovação, destaca a redação do Enem de 2020, que fez com que milhares de estudantes refletissem e dissertassem sobre os preconceitos em torno da saúde mental, com o tema O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira. “A questão trouxe à luz exclusões e pensamentos errôneos sobre os transtornos mentais”, disse a psicóloga.
A importância desse debate nos diversos espaços é justamente o de combater a ignorância. Segundo o professor Francisco Medauar, o principal fator para o preconceito é, de fato, a ignorância. “As pessoas têm dificuldade em lidar com o desconhecido, e transtornos mentais não são nada mais do que doenças comuns”, reitera.
A solidão de pessoas com transtornos psicológicos existe e pode ser tanto causada pela psicofobia, quanto por algumas doenças. Beatriz Souza (*nome fictício), que foi diagnosticada com depressão, mas que hoje se reestabeleceu graças ao acompanhamento psiquiátrico e o tratamento adequado, conta que sentiu que algumas pessoas haviam se afastado e atribuiu o distanciamento à doença.
“Enquanto eu estava doente, eu tinha a impressão de que o fato de eu estar doente tinha estragado aquelas relações, que eu não ia conseguir retomar a proximidade com aquelas pessoas. Só que, a partir do momento em que fui melhorando, percebi que as relações não acabaram por aquilo e que as pessoas que se importavam de fato não deixaram de estar ao meu lado”, explica Beatriz*.
Diversas pessoas são afastadas de suas funções devido a algum transtorno psiquiátrico não tratado adequadamente. Segundo a Associação Nacional de Medicina do Trabalho, os transtornos mentais estão entre as maiores causas de afastamento do trabalho. A depressão, por exemplo, é um dos transtornos mentais mais frequentes e impacta cerca de 300 milhões de pessoas no mundo, conforme dados da OMS.
Em 2017, conforme informações da Previdência Social, pessoas com quadro depressivo geraram 43,3 mil auxílios-doença, deixando a doença na 10ª posição das que mais geram afastamentos. Transtornos ansiosos e transtorno depressivo recorrente também estiveram entre as 30 doenças que mais afastam pessoas do trabalho na lista da Previdência, resultando, as duas, em quase 50 mil auxílios-doença.
A situação laboral de pessoas com algum transtorno acaba sendo uma questão, tanto para a pessoa acometida quanto pelas empresas. Beatriz Souza*, por exemplo, conta que teve dúvidas quando foi realizar o primeiro exame admissional, se o uso de medicamentos psicotrópicos seria um impedimento para a contratação e se a empresa poderia realizar exames para identificar o uso destes medicamentos.
Segundo o psiquiatra Francisco Medauar, o conhecimento da doença pela empresa é algo que deve ser avaliado. “A depender do transtorno e da gravidade dos sintomas, alguns pacientes, mesmo em tratamento, não atingem remissão total dos sintomas. Então, a depender do transtorno, da gravidade e do estado do paciente, pode ser importante que a empresa tenha conhecimento”, afirma o professor.
Sobre a realização de testes psicológicos, o professor da Medicina FTC informa que estes fazem parte de uma triagem básica. “Normalmente, só conseguem auxiliar em diagnósticos mais evidentes. Alguns exames, como o grafológico, visam traçar um perfil de personalidade do paciente, o que nem sempre é tão fidedigno. Então, eu não diria que são necessários, mas podem auxiliar a empresa, sim. Analisados individualmente, eles podem ser excludentes, mas, dentro de um contexto, incluindo uma avaliação psicológica, esses riscos são minimizados”, explica.
Além das questões originadas diretamente das doenças, pessoas com transtornos psiquiátricos ainda precisam lidar com algumas frases prontas que, algumas vezes, deslegitimam suas dores e doenças. E isso, claro, pode atrapalhar muito no processo. E nem é a estagiária da Medicina FTC que está dizendo isso, viu? É o psiquiatra Francisco Medauar:
“Essas frases são o que chamamos de iatrogenia das palavras, que é quando a gente fala algo para uma pessoa adoecida que a deixa pior. Estas frases tornam o paciente culpado pelo seu adoecimento, além de lhe atribuir defeitos como fraqueza, frescura, drama”, explica Medauar.
“Em alguns tipos de transtorno mental, como ansiedade e depressão, quando se inferioriza uma pessoa com algumas dessas frases, acaba expondo as pessoas a traumas e aumentando o desconforto emocional. É preciso compreender que pessoas com ideias suicidas não estão em busca de atenção, pessoas com depressão não estão tristes, pessoas com ansiedade não são rudes, pessoas com transtorno mental não são loucas” reforça a psicóloga Mirian Conrado.
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“Xiiiii… se toma remédio já é doido” ou “Doido é que toma remédio”. A gente sabe, você já falou ou ouviu isso, nem que seja em novela ou filme. E sabe o que isso resulta? Em afastar quem realmente precisa do tratamento médico e farmacológico. Segundo Francisco Medauar, o medo do medicamento atrasa a melhora do paciente, podendo agravar o transtorno.
“Conheço muitas histórias de pacientes que demoraram anos para aderir ao tratamento, e, quando o fizeram, já tinham um quadro mais grave, complexo e de difícil controle”, explica o psiquiatra que ainda dá a dica de como ajudar: “Podemos auxiliar nos informando, lendo sobre as doenças e sobre os medicamentos em fontes confiáveis, pautadas na ciência. Assim, conhecendo, podemos passar mais segurança para quem precisa do tratamento”.
Sara Baptista (outro nome fictício*) conta que demorou anos para aceitar a ajuda da medicação e que, hoje, se arrepende de ter dado ouvidos às frases repetidas, inclusive, por gente bem intencionada. “Eu atrasei minha graduação, minha carreira e minha vida porque estava em um quadro depressivo, mas recusava remédios. Eu acreditava que era possível sair disso com força de vontade, exercício físico e boas companhias, mas só me afundei mais. As pessoas que mais me incentivaram a evitar os remédios não estavam mais ao meu lado quando eu realmente fiquei mal”, conta a jovem que faz acompanhamento psiquiátrico e terapia.
Talvez você não saiba, mas qualquer pessoa pode, em algum momento da vida, desenvolver um transtorno mental. Bom, agora você já sabe. Isso porque transtornos mentais são alterações do funcionamento da mente e suas emoções, que podem prejudicar o desempenho da pessoa na vida familiar, social, pessoal e no trabalho, como explica Mirian Conrado.
“As causas não são desconhecidas, mas estudos mostram que são predisposições genéticas, dando importância, também, às interações com o meio, as relações psicossociais e como vive a pessoa no seu dia a dia”, afirma a psicóloga.
Para Medauar, é preciso conhecer os transtornos e desmistificar o que o imaginário construiu. “Muita gente pensa em pacientes esquizofrênicos, por exemplo, como pessoas super agressivas, e eles normalmente não são. Então precisamos estudar, conversar e entender melhor esses transtornos”.
Sobre essa atenção social aos transtornos psiquiátricos, o professor ainda acredita que saúde mental deveria ser uma matéria da escola. “Eu não falo só sobre os transtornos, falo sobre autocuidado também, ajudando no bem-estar e na inclusão, sendo menos crítico e aceitando o que a pessoa é capaz de fazer, ao invés de exigir sempre mais ou esperar que uma pessoa com transtorno aja como se não tivesse”, pontua.